O brasileiro Marco Gustavo, de 40 anos, encontrou seu lugar no futebol profissional do Japão, não como jogador, mas como intérprete. Atualmente, ele trabalha com o clube Avispa Fukuoka, da primeira divisão japonesa (J1), ajudando na comunicação entre atletas brasileiros e a comissão técnica. A jornada até aqui, no entanto, foi longa e cheia de desafios.
Marco chegou ao Japão em 1994, com apenas 10 anos, após seu pai – ex-jogador de futebol – decidir tentar a vida no exterior. Na mala, além da esperança de dias melhores, Marco trouxe só três palavras em japonês: “arigatô” (obrigado), “ohayô” (bom dia) e “toire” (banheiro).
A família se estabeleceu em Oizumi, na província de Gunma, conhecida pela grande comunidade brasileira. Apesar da mãe ser descendente de japoneses, a comunicação era difícil em casa, já que ela mal falava japonês. Marco estudou em uma escola pública, mas passava a maior parte do tempo numa sala separada, dedicada ao ensino do idioma.
Foi nesse período que ele começou a se esforçar para se comunicar com os colegas. Mesmo com pouco vocabulário, percebeu que os outros respondiam bem quando ele tentava conversar. A troca diária o ajudou a aprender japonês na prática, entre erros e acertos.
Influenciado pelo pai, que jogou em clubes como o Santos, Marco também sonhava em ser jogador. Chegou a atuar como goleiro em equipes regionais do Japão, como o Teihens FC e o Cobaltore Onagawa. Mas a realidade apertou. Para se sustentar, trabalhou em fábricas enquanto jogava nos fins de semana.
Tudo mudou em 2012, quando, assistindo a uma entrevista de um jogador brasileiro na TV, tentou traduzir o que ouvia. Ao perceber que seu japonês estava alinhado com o do intérprete oficial, pensou: “Acho que consigo fazer isso também.”
Foi aí que começou a mandar currículos para clubes japoneses. A resposta veio do Montedio Yamagata, da segunda divisão (J2), que precisava de um intérprete para um novo jogador brasileiro. Embora fosse a segunda opção da equipe, Marco não hesitou. Ligou diretamente para o clube e disse: “Largo meu trabalho agora e encerro minha carreira como jogador. Só me deem essa chance.” A coragem deu certo, e ele foi contratado.
Desde então, passou por clubes como o JEF United Chiba e, desde 2020, integra a equipe do Avispa Fukuoka. No trabalho, Marco vai além da tradução. “O mais importante é transmitir o que a pessoa realmente quer dizer. Se a emoção não chega, a tradução perde o sentido”, explica.
Ele também faz questão de ajudar os jogadores a se adaptarem ao Japão, mas com limite. “Mostro como fazer na primeira vez, depois incentivo que façam sozinhos. A ideia é que ganhem independência e aproveitem a vida aqui”, diz.
O atacante Wellington, de 37 anos, elogia o trabalho do intérprete. “Quero aprender japonês e entender a cultura. Recebo só a ajuda necessária. Isso me faz bem.”
Agora, com quase 13 anos de experiência na função, Marco reconhece: “Não consegui ser jogador profissional, mas vivo do futebol. Acho que interpretar é minha verdadeira vocação. Cada dia é gratificante.”
Fonte: Mainichi