Cinco mulheres japonesas estão batalhando nos tribunais pelo direito de realizar cirurgias de esterilização, atualmente proibidas pela Lei de Saúde Materna. A primeira audiência ocorreu no início deste mês no Tribunal Distrital de Tóquio. Kazane Kajiya, de 27 anos, e outras quatro mulheres argumentam que a lei infringe seus direitos constitucionais, impedindo-as de tomar decisões sobre seus próprios corpos. Elas exigem uma indenização de ¥1 milhão cada uma.
A história de Kazane Kajiya
Kajiya sempre sentiu repulsa por seu corpo fértil e nunca desejou ter filhos. A presença de crianças a deixava angustiada e com palpitações. Os métodos anticoncepcionais disponíveis não aliviavam seu sofrimento emocional. Com o apoio do marido, ela tentou realizar a cirurgia de esterilização, mas descobriu que era ilegal no Japão, a menos que fosse clinicamente necessária. Kajiya precisou viajar aos Estados Unidos para realizar a operação no ano passado.
A lei de saúde materna
A lei de saúde materna no Japão só permite a esterilização feminina em casos onde a gravidez ou o parto representem risco de vida ou em mulheres que já tenham vários filhos e cuja saúde esteja comprometida. Além disso, é necessário o consentimento do cônjuge. A realização da cirurgia sem atender a esses requisitos pode resultar em pena de prisão de até um ano ou multa de até ¥500.000. A lei também se aplica aos homens que desejam realizar vasectomias.
O depoimento de Reina Sato
Outra demandante, sob o pseudônimo de Reina Sato, também se pronunciou no tribunal,
declarando que nunca deseja ter filhos e que não se sente atraída por homens ou mulheres. “Somos antes de tudo seres humanos com vontade, e não mulheres ou órgãos maternos. O meu corpo é o meu corpo, não um ‘órgão materno’ para o Estado, e não deveria haver razão para que a Lei de Saúde Materna proibisse a esterilização para a protecção dos órgãos maternos”, desabafou.
Histórico da Lei
De acordo com a equipe jurídica das mulheres que entraram com a ação, as restrições atuais para a cirurgia de esterilização na Lei de Saúde Materna têm origem em uma legislação eugênica criada antes da Segunda Guerra Mundial. Essa antiga lei tinha como objetivo reduzir o número de pessoas com genes considerados menos desejáveis, promovendo uma população com genes “superiores”. Além disso, a lei visava impedir o uso de métodos contraceptivos e abortos, para evitar a diminuição da população.
Após a Segunda Guerra Mundial, a preocupação com a sobrepopulação levou à criação da Lei de Proteção Eugênica, que relaxou as regras para esterilização e aborto, permitindo um controle populacional mais flexível, mas ainda mantendo o foco na “qualidade” genética, o que frequentemente afetava pessoas com deficiência.
Em 1996, a Lei de Proteção Eugênica foi substituída pela Lei de Saúde Materna. Embora essa mudança tenha removido algumas cláusulas discriminatórias contra pessoas com deficiência, muitas exigências rigorosas continuaram. Entre elas, a necessidade de consentimento do cônjuge, justificativas médicas e penalidades para quem realizasse a cirurgia sem atender a essas condições permaneceram vigentes.
Yoko Matsubara, professora de bioética, destacou a necessidade de revisar a lei, argumentando que ela protege os médicos mais do que garante os direitos reprodutivos das mulheres. Matsubara, no entanto, reconhece que a realização de cirurgias irreversíveis em corpos saudáveis é um tema controverso que exige debate.
Fonte: Japan Times