Residentes estrangeiros no Japão continuam enfrentando grandes dificuldades para enterrar seus entes queridos. Com a cremação sendo a prática padrão no país, aqueles cujas crenças religiosas exigem sepultamento encontram cada vez mais obstáculos para garantir um local apropriado.
O problema se agrava com o envelhecimento da comunidade estrangeira. Muitos estrangeiros vivem há décadas no Japão e construíram suas vidas no país, tornando a questão do sepultamento uma preocupação crescente.
Em janeiro deste ano, um homem paquistanês de 60 anos, frequentador da mesquita Ebina Masjid, em Kanagawa, faleceu repentinamente. Sua morte deu início a uma busca frenética por um cemitério que aceitasse enterros. Seus familiares e amigos entraram em contato com diversos cemitérios na região de Kanto, mas enfrentaram repetidas recusas e altos custos.
A cremação é proibida no Islã, mas enviar o corpo de volta ao Paquistão era financeiramente inviável para a família, que tem poucos recursos. Após inúmeras dificuldades, o sepultamento ocorreu no Cemitério Honjo Kodama, em Saitama, um dos poucos no Japão que permitem enterros. O custo foi de aproximadamente 300 mil ienes, valor arrecadado por amigos da mesquita. O corpo foi transportado por um conhecido em uma van.
“Não temos um cemitério próprio, e o custo varia muito para cada família”, disse Choudhry Nasir Mehmood, de 54 anos, também paquistanês e frequentador da mesquita. “Toda vez que alguém da nossa comunidade morre, precisamos correr atrás de um local para o enterro, sem tempo para o luto.”
Falta de cemitérios e altos custos
Embora o enterro seja legal no Japão, quase todos os falecidos – 99,99% no último ano fiscal – são cremados, segundo o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar. Isso se deve à escassez de espaço, preocupações ambientais e resistência de moradores locais.
O custo de um enterro pode ultrapassar 1 milhão de ienes, tornando-se um peso para muitas famílias. Mesmo nos poucos cemitérios que permitem enterros, a maioria dos espaços já está ocupada.
O problema afeta não apenas muçulmanos, mas também cristãos e outros grupos religiosos. No ano passado, uma idosa coreana cristã teve seu sepultamento adiado por mais de um mês porque seu filho não conseguiu encontrar um cemitério adequado. O corpo permaneceu armazenado em uma delegacia até que ele finalmente conseguisse um espaço no Cemitério Honjo Kodama.
O envelhecimento da população estrangeira torna essa questão ainda mais urgente. O Japão abriga hoje cerca de 3,41 milhões de estrangeiros, sendo que 220 mil têm 65 anos ou mais, um aumento de 50% na última década. Estima-se que o país tenha cerca de 350 mil muçulmanos, muitos enfrentando os mesmos desafios.
“Daqui a 10 ou 15 anos, encontrar espaço para sepultamento pode se tornar ainda mais difícil”, alerta um representante de uma organização muçulmana.
Resistência e desafios locais
O problema é agravado pela falta de cemitérios em várias regiões do Japão. Enquanto a região de Kanto possui quatro locais que aceitam enterros, áreas como Tohoku, no norte, e Kyushu, no sul, não têm nenhum.
Em 2018, uma associação muçulmana em Beppu, na província de Oita, tentou construir um cemitério, mas enfrentou forte resistência local. Moradores temiam contaminação da água e impactos negativos na comunidade. Mesmo após anos de negociações e a concordância de construir o cemitério em terras municipais, um novo prefeito eleito no ano passado cancelou o projeto.
“Não são apenas estrangeiros que sofrem com essa situação, mas também japoneses convertidos a outras religiões”, disse Khan Muhammad Tahir Abbas, professor da Universidade Ritsumeikan Asia Pacific e líder da associação muçulmana de Beppu. Naturalizado japonês, Khan destacou que muitos estrangeiros não têm outra opção a não ser serem enterrados no Japão.
Em 2021, ele enviou um pedido ao governo japonês para a criação de cemitérios multiculturais, mas até agora não houve resposta concreta.
Cremação e a falta de opções
A cremação se tornou predominante no Japão nos últimos 50 anos, impulsionada por preocupações sanitárias e falta de espaço. Em 1913, apenas 31% dos falecidos eram cremados, mas em 1934 o índice já superava os 50%. Hoje, a taxa é uma das mais altas do mundo.
Em comparação, a Noruega tem uma taxa de cremação de 49%, os EUA 61%, o Canadá 75%, Singapura 81% e a Coreia do Sul 93%. Muitos países ocidentais já adaptaram seus cemitérios públicos para incluir áreas específicas para muçulmanos e outros grupos religiosos.
“Se o Japão quer se tornar um país mais inclusivo e diverso, precisa considerar essas questões e oferecer mais opções para os estrangeiros e suas famílias”, conclui o professor Hirofumi Tanada, especialista em comunidades muçulmanas no Japão.
Fonte: Nippon